O SINDROMA DO CHINÊS por PEPETELA
Luanda - Raramente reparo em anúncio de órgão informativo. Nunca leio os dos jornais e, quando é na Rádio ou na TV, mudo de canal logo que vem a publicidade. Por mim, as empresas que vivem de publicidade iam mais rápido à falência que os bancos da Europa e USA (mas, justiça seja feita, sem os seus gestores receberem os arquimilionários prémios pela façanha de levarem as empresas à falência, privilégio só reservado aos ‘pobrezinhos’ dos banqueiros; por isso há cantos a sonharem ‘montar banca’).
Alguém me chamou a atenção para estranho fenómeno que passava nas páginas de anúncios do oficial Jornal de Angola, fui verificar a veracidade e passo a divulgar. É espantosa a quantidade de anúncios de chineses a declarar ter perdido o passaporte. É aos cinco ou seis por dia. Não se sabe a quantidade de chineses que já penetraram em espaço nacional, estatística no segredo dos deuses chineses (pois não acredito que os deuses angolanos, sempre displicentes, o saibam), por isso é impossível determinar a taxa de perda ou estabelecer a evolução mensal. O curioso é nenhuma outra nacionalidade anunciar no JA a perda de passaporte. Das duas, uma: ou os outros não perdem passaporte ou não acreditam na eficácia da publicidade.
Fiquei então a pensar no estranho fenómeno e fazendo minhas conjecturas. Por que razão os passaportes dos chineses desaparecem com tanta frequência, mais que a dos franceses, senegaleses ou outros estrangeiros? Haverá alguma pemba contra os passaportes chineses? Ou será porque, como eles dormem em quartos de dezoito pessoas por dia, seis a dormir de cada vez em três turnos diários, há algum larápio especializado que vai sempre palmar os documentos na hora do repouso? Se fosse este o caso, o ladrão seria provavelmente chinês.
Outra hipótese é a seguinte: como eles não estão habituados a ter documentos, por todos serem controlados constantemente, usam o passaporte como o maço de cigarros vazio. Usam uma vez, fazem um embrulho e deitam para o lixo. Mas a acontecer isto depois não iriam reclamar, o que afasta a verosimilhança desta hipótese. Continuemos com a especulação.
Pode ser que, uma vez em território angolano, mandem o passaporte para trás e ele é utilizado por um colega de empresa ou um familiar. Seria um gesto patriótico, pois pouparia ao país deles as despesas com a emissão de um novo documento que, bem vistas as coisas, não serve para nada. Pois tenho a convicção que aqui é irrelevante um chinês andar com passaporte ou não. Primeiro, ninguém lhes pede identificação, pois andam aos magotes desindividualizados. Depois, se pedissem, alguém ia distinguir um do outro? Se passa o mesmo que no tempo colonial, os negros eram todos iguais aos olhos colonos. Agora são os chineses.
Por isso, a entrada no país, o funcionário da polícia de fronteiras nem se preocupa em olhar para a chipala do recém-chegado. Num grupo de trinta, todos ao mesmo tempo e trajando de azul, quem vai distinguir quem?
Fica portanto em suspenso a tentativa de descoberta do mistério. Porque desaparecem tantos (e são publicitados) passaportes chineses? À falta de um qualquer Jaime Bunda, seria bom que a nossa polícia tentasse descobrir, usando as tecnologias que se vêem nas series CSI. Mas estou a ser injusto, é evidente que as nossas autoridades policiais afastaram já há muito as sonolências matinais e estão atentas. E até podem ter resolvido o mistério, pois a nossa bófia nunca dorme. Infelizmente, se já descobriram não nos informaram ainda de nada.
E continuamos a nos perguntar, vendo os anúncios se sucederem no JA, por onde andam os passaportes chineses? Voam como os papagaios de papel de Beijing?
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